“Aceitei diversos chutes da sociedade, incluindo dos que amava, para arriscar algo insano, desapropriado para alguém com personalidade irreverente como a minha.
Choro sim. O quanto eu
quiser, não é errado chorar mesmo quando tudo já era previsível; o impacto do
acontecimento me ardeu os olhos e não encontrei outra saída a não ser pisar no
acelerador do
Corvette
1960, até
que o atrito com o vento as retirasse a força do meu rosto.
Dois anos enganando a mim mesma, dizendo mentalmente que tudo daria certo, que jamais encontraria alguém que me desse tanto valor e, por isso, deveria passar por cima de seus defeitos. A conclusão? Ele, na verdade, era um merda.”
Kitty atravessava a ponte de Bridgeport a aproximadamente
cento e quarenta quilômetros por hora. Mesmo sendo um modelo antigo, seu carro
esportivo atingia velocidades agradáveis. Não sabia exatamente para onde guiar
e automaticamente, acabou atingindo a rota do pup onde costumava se encontrar com outros três amigos, ou melhor,
dois amigos; afinal, Simon estava entre o núcleo de amizades e certamente
estaria sentado em algum canto bebendo cerveja em uma longneck enquanto a fitava com olhares quase mortais.
Parou e pousou uma das mãos na cintura antes de pisar no tapete vermelho (que deveria ter a mesma idade de seu carro). Lembrando-se do fato.
“Mas que grande
porcaria nos fizemos?” – Amargurou o fato de ter começado a namorar Simon
dois anos atrás, eram apenas amigos no começo e deveriam ter mantido esse tipo
de afeto para assegurar uma amizade eterna, como citavam desde sempre. Agora
era tarde demais, alguém teria que sair do núcleo para que situações não se
tornassem desagradáveis.
“Espero que você encontre novos amigos, Simon.” – Disse para si mesma mentalmente, afirmando de alguma forma de que não seria ela que sairia perdendo na jogada. Kitty não gostava de perder. Entrou e ao avistar os outros dois envolvidos, agradeceu por não ver o indesejado nos arredores.
- Humm... - Uma garota com roupas curtas, cabelo afro
pintado de rosa e semblante quase não sóbrio prolongou algumas sílabas como
quem suspeitasse de algo. – Ok, o que houve magrela? – Questionou logo depois.
Havia outro alguém sentado ao seu lado nas poltronas velhas
do pup, este nem olhou para Kitty
quando entrou, apenas se atentou a conversa. Um garoto pálido com os traços
escondidos por óculos com grau o suficiente para deixar seus olhos maiores do
que o normal.
- Um pássaro defecou no vidro do meu carro que acabei de
lavar, Ingrid. Só isso.
Ingrid soltou uma gargalhada alta, cheia de agudos que
chamou a atenção do resto das pessoas que habitavam o lugar (duas ou três).
- Conta outra, bitch!
Vai, conta logo o que o Simon fez dessa vez. – Citou logo depois.
- Vocês brigaram, Kitts?
– Agora a voz vinha do garoto de óculos que decidiu se manifestar por impulso.
- Ôh Chaaz, fica na sua aí, vai... – Retrucou Ingrid,
ansiosa pela resposta de Kitty e não por mais perguntas.
Kitty permaneceu calada, abriu a boca duas ou três vezes,
mas as palavras não saíram. Foi então que Ingrid colocou-se de pé, projetando
uma expressão angustiada no rosto, na verdade, parecia raiva por ter que
esperar tanto.
- Nós terminamos. – Agora Kitty assumia uma posição
indefesa, podendo também ser chamada de fofa, ao posicionar as mãos encolhidas
sobre a boca, na tentativa de abafar as últimas palavras.
Ingrid sentou-se novamente, tomou em mãos um copo com cerveja gelada ainda com borda de espuma e estendeu a outra para Kitty. Percebeu a seriedade da situação. Sendo amiga de ambos sabia que, por mais que brigassem, nunca chegaram a terminar o relacionamento; sorriu na tentativa de contornar os fatos e esconder a preocupação que surgiu.
Muitas foram as vezes em que se ajudaram a ficar de pé
novamente em momentos semelhantes. Desde o colegial estiveram juntas, entre uma
briga e outra, a amizade sobressaía a qualquer outro problema.
Poderia ser difícil para Chaaz, o garoto de óculos, escolher
um lado do desafeto entre Kitty e Simon, conheceu os dois ao mesmo tempo já
como um casal, mas não para Ingrid. Estaria ao lado de Kitty mesmo que esta
estivesse errada.
Já esboçando um sorriso, Kitty foi puxada para o
sofá vermelho do pup.
- Vai ficar tudo bem, magrela. Tenho certeza de que isso não
passa de mais uma briguinha boba de vocês dois.
- Já eu tenho certeza de que não foi, Ingrid... Eu realmente
não quero ver o Simon tão cedo.
Dialogaram rapidamente. Kitty não explicou o motivo do término do namoro e os outros não insistiram, Ingrid beijou seu rosto assim que esta se sentou e Chaaz, ainda em silêncio, aconchegou-se no ombro da amiga.
- Ok, chega dessa “melação” toda, a situação pede algo mais
forte que cerveja, vamos aos destilados! – Disse Ingrid quebrando o silêncio
depois de alguns segundos.
- Nem vem, Ingrid, não posso beber, trabalho amanhã,
diferente de você. – Respondeu Kitty, alfinetando o desemprego da amiga.
Chaaz balançou a cabeça negativamente e citou “malucas” em tom quase não audível,
ainda apoiado em Kitty.
Não apelaram para destilados, mas o garçom fez várias viagens até a mesa, todas as vezes em que Ingrid gritava “mais uma, por favor” de onde estava
O motivo no qual frequentavam um pup tão velho e vazio quanto aquele era nada mais, nada menos do
que uma mesa de sinuca com fichas baratas. Jogar uma partida após beberem e
conversarem sobre inutilidades era quase um ritual.
Ingrid era a melhor dos quatro. Sim, quatro. Os times
estavam incompletos sem Simon, dessa vez jogaram “cada um por si”.
- Ninguém me vence nisso! – Comemorou após uma boa jogada.
- Porque você é sortuda... Pra jogos, claro, porque
pra amor e dinheiro você é quase um gato preto! – Retrucou Kitty, sempre
implicante.
- Vish! – Poucas palavras
saíam da boca de Chaaz, e quando saíam não tinham muita relevância na conversa.
A timidez não o permitia ousar nos diálogos.
- Oque!? Escuta aqui magrela, quero ver você acertar só uma
bola na caçapa com esse tanto de descolorante no cérebro.
- Então assista!
Kitty curvou-se, focando a bola branca o máximo que pode em
uma tentativa (falha) de sobressair-se as provocações de Ingrid e, por culpa do
short estilo hot pants que usava, sua
pose tornou-se acidentalmente sensual para os olhos de Chaaz que observou
enquanto pode.
É claro que este encontrava grande dificuldade com garotas,
aliás, as únicas que falaram com ele mais de duas vezes até hoje se chamavam Kitty e Ingrid, estas
jamais consideraram qualquer tipo de relação além-amizade.
O membro que faltava aproximava-se da porta do pup. Simon cometeu a mesma gafe que Kitty de seguir a rota do local sem perceber.
Assim que entrou, franziu a testa pela primeira visão que teve. O lugar não era grande, pelo contrário, encontraria Chaaz, Ingrid e Kitty facilmente.
Mudou rapidamente a expressão antes que alguém percebesse
que estava surpreso. Agora parecia sorrir ironicamente ao fitar a ex-namorada
sem reação. Na verdade estava chateado por perceber que esta parecia bem e
depois de pensar um pouco percebeu que o único que poderia estar mal na
situação era ele mesmo; ouviu poucas e boas de Kitty a algumas horas atrás.
Deu de ombros e seguiu caminho até o bar. Kitty pareceu
indignada por não ter recebido a chuva de ironias de Simon, esperava que este
insistisse para que voltassem como fez no momento em que terminaram; não que
ela quisesse isso, claro, mas o fato de ter sido ignorada foi no mínimo
desanimador.
Ingrid não sabia os motivos, manteu sua pose de proteção sob
Kitty enquanto quase queimava Simon com os olhos. Chaaz era o único que não
sentia raiva no comento, estava chateado por não conseguir escolher alguém para
apoiar, sempre confuso.
Simon pediu uma cerveja enquanto resmungava meia-dúzia de
palavras e palavrões. O barman já estava acostumado a ouvi-lo reclamar de Kitty
e outros problemas, mas dessa vez as ofensas estavam indo longe demais.
Chaaz aproveitou a distração das garotas que fofocavam entre
si para se aproximar, Ingrid agora insistia em saber o motivo de tudo isso,
após perceber o quanto Simon estava fora de si.
- Hey buddy!
- Oque você quer, Chaaz?
- Saber se você “tá” legal, eu nunca passei por isso pra
dizer, mas deve ser triste...
- Não estou triste, seu idiota, estou é afim de dar uma na
cara da Kitty por ser tão burra, mas como isso não pode acontecer, estarei
estourando a cara do primeiro que posar na minha frente.
- Bater em uma mulher? Cara, isso aí é muito estranho.
- Eu sei, Chaaz, é modo de dizer... – Suspirou.
- Fiz realmente tudo que pude. O problema da Kitty é querer
esperar uma porcaria de “príncipe encantado”, antes ela concordava em me usar
como namorado enquanto esperava, mas resolveu me descartar hoje. – Desabafou
descansando a cabeça em uma das mãos apoiada no balcão do bar.
Faltaram palavras a Chaaz mais uma vez. Queria ser capaz de
consolá-lo como um bom amigo, mas ia muito além de sua capacidade. Não entendia
as mulheres quanto mais Kitty, que era a mais confusa de todas que já
conheceu. Enquanto estava com Simon se
queixava constantemente do namoro, parecia estar com ele por obrigação ou se
sentir superior demais.
- Vamos dar o fora daqui, Simon, existem outros bares em
Bridgeport.
- Não sei se estou com vontade de abrir mão do meu boteco
favorito pela loira estúpida sentada logo ali.
- É uma boa ideia, podemos jogar vídeo game também se
preferir. Vai ser maneiro.
- Chaaz – Pausou – Você precisa de uma namorada.
- Não vai ser necessário. – Kitty interrompeu a conversa
pronunciando-se de onde estava em tom rude.
- Kitts, eu...Kitts, você não precisa ir, eu só estava
sugerindo, sabe?
- Tudo bem, Chaaz, tudo bem... Relaxa, ok? O estúpido do
recinto não é você.
- Só tem uma estúpida aqui. – Devolveu Simon, que não
conseguiu se manter calado com o insulto.
Kitty deu as costas, caminhando pra fora do bar. Não estava
saindo só por isso, não podia estar na rua até tarde em dias de semana,
trabalhava pela manhã.
Ao pisar em casa, subia as escadas cuidando para que nenhum
ruído fosse alto demais para denunciar sua presença. Já era tarde demais para
que não levasse um esporro de seu pai por estar na rua. Uma voz rouca gritou de
um dos aposentos “Katharine, é você!?”. Tarde demais, seu pai possuía ouvidos
de lince, como costumava dizer.
- Sim, pai! Estou indo pra cama, boa noite.
Sabia que o tal esporro viria pela manhã, só por ele ter
citado seu nome ao invés do apelido.
A casa era quase tão clássica quanto seu relacionamento com
o pai, um bom viúvo que se preocupava além do que deveria com a filha. Não era
mimada apesar disso, trabalhava para ajudar nas despesas normais de uma casa.
Suspirou após se jogar ao banco da penteadeira de época,
estruturada especialmente para seu quarto e gosto vintage.
- Que dia confuso. Nada parecidos com a monotonia dos
anteriores. – Confessou que poderia estranhar o fato de estar sem Simon a
partir de agora. Seus dias eram tão parecidos, havia se acostumado à vida ao
lado do ex-amigo que namorou por dois anos, agora intitulado de ex-namorado.
Prendeu a respiração ao levantar a cabeça e se deparar com o
porta-retratos perfeitamente estabilizado na penteadeira. Sentiu-se uma
adolescente por ter uma foto desse estilo em seu quarto. Seu relacionamento com
Simon era forçado a ponto de ter que colocar uma imagem de um bom momento para
servir de consolo em todos os dias que batia a porta de seu quarto após uma
briga.
Sentiu-se constrangida a ponto de virar o porta-retratos
para a parede. Uma meta era apagar as lembranças restantes, o que seria
difícil, mais do que em outras situações, pelo fato do núcleo de amizades.
Não havia mais tempo para pensar sobre isso, as horas
corriam e logo mais um dia de trabalho, onde era essencial estar em bom estado
físico no caso de Kitty. Trocou-se para uma camisa qualquer encontrada na
gaveta.
Fitou os lençóis e travesseiros e sentiu-se bem por alguns
minutos, pareciam tão confortáveis a ponto de fazê-la dormir rapidamente sem
pensar em tudo aquilo. Sorriu ao ajeitá-los.
Era uma pena estar enganada, virou-se ao encontro das fotos
de um pequeno mural montado na parede de sua cama. Fotos não só de Simon
ocupavam espaço ali, Chaaz e Ingrid estavam presentes na maioria delas, estavam
juntos desde que Kitty era capaz de se lembrar.
Dizem que só somos capazes de sentir realmente a falta de
alguém quando se perde o mesmo. Kitty nunca esteve tão desnorteada de seus
sentimentos, estava certa de que sua relação com Simon havia chegado a um
limite, levando em consideração a falta de vontade de estar com ele, mas não
queria ser o motivo do rompimento de um ciclo que se manteve sem dificuldades
até hoje.
“Que bagunça...”
Sentia-se melhor no dia seguinte, o cheiro do café que seu
pai preparava na cozinha invadiu seu quarto pela a manhã, fazendo com que Kitty
saltasse da cama e trocasse de roupa em velocidade jamais vista, vários motivos
adornavam essa animação; apesar dos acontecimentos gerais havia um bom
pressentimento para o dia.
É claro que havia um acontecimento especial. Kitty fora
contratada para posar como modelo na produção de um stylish de moda
influente em Bridgeport e estava na etapa final, já havia feito diversos
ensaios para portfólio e hoje faria as fotos para uma revista local.
Não conseguiu o contrato apenas por potencial, um maquiador
profissional importunou o estilista para que desse uma olhada em Kitty antes de
fazer o casting de modelos somente
por ser seu amigo. Por sorte era tudo que Jeremmy precisava.
- Cheguei queridos! – Cinco minutos de atraso poderiam
causar caos no estúdio, sabendo disso Kitty pronunciou-se de forma mais
adorável possível, na tentativa de distraí-los do fato.
- Atrasada! – Não funcionou.
Jeremmy, o stylish, estava palpitante posicionado atrás do maquiador com
uma das mãos em seu ombro, a ponto de um desmaio só por pensar no cancelamento
da produção. Exageros são normais quando o assunto é moda.
- Me perdoe, J! Estava me aprontando pra você. – Justificou.
- Muito bem! Então vamos logo trocar essas roupas, estou
mais atrasado do que “calça boca de sino” no século atual!
- Epa, esperai, meu bem, e a maquiagem? Não é feita em um
piscar de olhos, ok?
- Humf!
Os produtores disputavam Kitty agarrados em seus braços como
crianças. Já estava acostumada a esse tipo de reação, mesmo não estando
realmente atrasados, se apavoravam com facilidade e os ensaios sempre rumavam
ao caos do exagero modista.
Por fim Lou, o maquiador e também cabeleireiro, venceu a
disputa alegando que seria mais impactante vê-la já com “look completo” quando trocasse as roupas.
- Gata, que carinha é essa?
- Que cara, Lou? É a mesma que você vê a vários meses.
- Ninguém me engana quanto a isso, querida. Tudo bem,
esconda seus problemas do cabeleireiro, eu supero.
- Não é nada, meu bem, eu juro.
- Não acredito, mas não vou insistir já que não quer contar.
Só não deixe que isso atrapalhe o editorial, está bem?
- Pode deixar, Lou!
Alguns minutos depois, o asiático exclamou um “Tcharãm!”
anunciado o penteado pronto. Não foi necessário dedicar-se a maquiagem, Kitty
possuía uma pele bonita, apesar das sardas que acabavam por ser um charme em
seu rosto.
- Que rápido!
- Eu SOU rápido, Kitts. Agora anda, vai já trocar essa roupa
antes que o Jeremmy tenha uma taquicardia.
Ao ouvir seu nome, Jeremmy surgiu de algum canto do estúdio
fazendo com que Kitty pulasse da cadeira.
- Está esperando oque, “Monroe”? Vai já para o provador!
- Sim, senhor!
Assim que saiu do provador, Kitty posou com as mãos na
cintura, inconformada com o que havia encontrado lá para vestir.
- Tá’de brincadeira, Jeremmy? Você não me disse que seria um
editorial conceitual! Eu precisei de ajuda de cinco outras mulheres pra vestir
isso!
- Magnífica. – Jeremmy ignorou o comentário de Kitty.
Vidrado em sua criação finalmente modelada em um corpo humano, com muita
modéstia apenas o elogiou.
Vencida por Jeremmy, Kitty seguiu até o painel do estúdio
para dar início ao ensaio. Os fotógrafos
se agrupavam e discutiam o posicionamento das luzes e câmeras, como de costume.
- Um pouco mais arqueada... Isso! Assim, foque o olhar,
descruze as pernas! – Como um bom stylish, Jeremmy passava as coordenadas que
Kitty seguia sem muitas dificuldades. Acertava as poses de forma perspicaz
enquanto o homem assentia cada vez mais animado.
- Rupert, pode trazer o cenário! – Berrou o produtor em um
tom que quase fez os demais perderem o sentido da audição.
Não demorou até que um garoto sério, com cabelos mais claros
do que o de Kitty (por ser natural) entrasse no estúdio com uma armação em
mãos. Parecia uma espécie de cortina de miçangas estruturada, devidamente
projetada por Jeremmy.
Kitty sentiu-se um pouco constrangida por estar vestida
daquela forma agora na presença de alguém que aparentava poder sentir atração
por uma mulher. Jeremmy e Lou a banhavam em elogios, mas a situação era
diferente, suas preferências eram “iguais”.
Assim que terminaram,
foi inevitável continuar se escondendo entre os aros da iluminação,
Rupert virou-se em um movimento rápido para se retirar antes que Jeremmy
encontrasse mais um defeito na armação.
- Pronto, já pode terminar seu ensaio agora. – Como desculpa
pronunciou-se sem jeito, o que tornou seu tom quase rude.
Kitty não respondeu. Rumou ao painel novamente observando os
traços de Rupert enquanto pode, somente por curiosidade. Nunca havia se
encontrado com ele nas diversas vezes em que esteve ali.
E finalmente, o editorial estava sendo produzido. É claro
que Kitty estava se sentindo um alienígena ali em meio a tanta produção
exagerada de Jeremmy, mas se quisesse seu cachê, teria que ser um alienígena
fotogênico naquele momento.
Modistas ou designers em geral costumam se emocionar facilmente
vendo seus projetos em ação. Não foi diferente com Jeremmy e até mesmo Lou que
era apenas o maquiador. Exagerados, porém adoráveis aos olhos de Kitty.
Adquiriu fotogenia aos doze anos de idade, quando sua mãe
ainda viva insistia para que trabalhasse como modelo. Não era apenas uma forma
de ajudar nas despesas. Kitty não considerava isso tudo divertido e muito menos
acreditava em uma vocação, mas passou a ser um legado após prometer que
tentaria, dias antes de sua mãe ficar doente.
Trabalho executado com sucesso. Tomava agora uma xícara de
café para forçar disposição para o resto do dia.
- Bom trabalho, Katharine.
- Hã? – Kitty estava distraída quando Rupert se aproximou –
Ah, obrigada...
- Rupert. – Completou.
- Obrigada, Rupert. Digo o mesmo. E, por favor, me chame de
Kitty, esse nome foi uma péssima escolha.
- Ué, mas Kitty não é apelido de Katharine... – Argumentou
enquanto se sentava.
- É uma longa história.
- Hum...
- Você começou a trabalhar aqui a pouco tempo?
- Não trabalho aqui, Kitty – destacou – Só fiz um favor pro
meu tio, Jeremmy.
- Entendi – Kitty disse ao se levantar da mesa. – Bom,
preciso ir. Até mais, Rupert.
- Até. Prazer em conhecê-la, Katharine Kitty – Riu.
Kitty demorou alguns bons minutos para tirar a roupa
elástica repleta de dobras e colocar as suas de volta. Assim que terminou saiu
dali o mais rápido que pode, estava esgotada e precisava de um descanso até a
noite.
- Imaginei que fosse seu. Ser modelo dá tanta grana assim,
é? – Rupert surgiu escorado no Corvette enquanto Kitty procurava as chaves.
- Ah... Não. Na verdade nem em um milhão de anos, esse carro
foi um presente do meu pai.
- É muito bonito, é a primeira vez que vejo um pessoalmente.
- Sim... – Kitty estava sem assunto, por algum motivo se
sentia estranha na presença de Rupert, talvez pelo fato de não ser comum
encontrar homens que aparentavam estar interessados nela naquele local.
- Escuta... Perdoe-me por ser incômodo, mas é que não é
normal encontrar Marilyn Monroe andando por aí assim sem nenhum segurança... –
Brincou, deixando Kitty um tanto quanto constrangida.
- Há! Ok, quem me dera...
- Afim de tomar um café em um ambiente menos profissional?
- Ah, Rupert, eu até iria, mas dois fatos me impedem. O
primeiro é o de eu estar morta de cansaço e o segundo é que não curto muito
esse tipo de programa, sabe?
- “Esse tipo de programa” ? – Rupert riu – Ora, pois então
vamos tomar uma cerveja.
- Aí sim. – Riram – Mas não hoje, é sério, seu tio ainda vai
me matar um dia desses...
- “Saquei”. Tá legal, vou parar de te encher. Mas só por
enquanto. Espero que meu tio não pense que estou vindo mais aqui por estar
interessado em moda.
- É, eu também espero. Aliás, vou a uma festa na casa de um
amigo essa noite. Não estou te convidando pra ir comigo e sim te convidando pra
ir. Que tal? A casa fica na segunda
avenida, guie-se pela música e não tem erro.
- Tsc, espertinha.
Claro, não dá pra negar uma possível open
bar dessas.
Kitty apenas sorriu de volta para Rupert que pareceu
entender bem o recado. A tarde amarelada estava quase no fim e logo estaria em
mais uma festa na casa de Chaaz, que sempre aproveitava as viagens de negócios
de seus pais. É claro que não estava ciente do que acabara de fazer, agiu por
impulso ao convidar Rupert pra uma festa onde os outros, incluindo “Simon
Merda” estariam.